sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Amor altruísta, compaixão e empatia



O Budismo define o amor altruísta como “o desejo que todos os seres encontrem a felicidade e as causas da felicidade”. Por “felicidade” o Budismo não entende apenas um estado passageiro de bem-estar ou uma sensação agradável, mas uma maneira de ser alicerçada em uma série de qualidades que incluem o altruísmo, a liberdade interior, a força da alma, assim como uma clara visão da realidade. Por “causas da felicidade”, o budismo não se refere apenas às causas imediatas do bem-estar, mas às suas raízes profundas, isto é, à busca da sabedoria e mais justa compreensão da realidade.

  Esse desejo altruísta vem acompanhado de uma constante disponibilidade em relação ao outro aliada à determinação de fazer tudo que está em nosso poder a fim de ajudar cada ser em particular a alcançar uma autêntica felicidade. O Budismo vai ao encontro de Aristóteles neste aspecto, para quem “amar bem’ consiste em “querer para alguém o que se acredita ser o bem” e “ser capaz de proporcioná-lo na medida que podemos”.

   Não se trata de uma posição dogmática decretando que “o sofrimento é o Mal”, mas de levar em consideração o desejo de cada ser de esquivar-se do sofrimento. Uma atitude puramente normativa, cujo objetivo seria dar um fim no sofrimento enquanto entidade abstrata, comportaria o risco de estarmos menos atentos aos próprios seres e seus sofrimentos específicos. Eis porque S.S. Dalai Lama nos aconselha: “Para sentir uma compaixão e uma benevolência verdadeiras para com o outro devemos escolher uma pessoa real como objeto de meditação e aumentar nossa compaixão e nosso amor benevolente em relação a essa pessoa, antes de estendê-los a outros. Trabalhamos com uma pessoa de cada vez; caso contrário, nossa compaixão corre o risco de diluir-se em um sentimento muitíssimo generalizado e nossa meditação perderá concentração e força. Além disso a história já nos mostrou que quando se define o bem e o mal de modo dogmático todos os desvios são possíveis, desde a Inquisição até as ditaduras totalitárias. Como meu pai, Jean-François Revel, afirma freqüentemente: “ Os regimes totalitários proclamam: ‘Sabemos como  torná-los felizes. Basta que sigam nossas diretrizes. Todavia, se não concordarem, lamentamos ter que eliminá-los’”.

   O amor altruísta caracteriza-se por uma benevolência incondicional para com a totalidade dos seres, suscetível de exprimir-se a todo instante em favor de cada ser em particular. Ela impregna o espírito e se expressa de maneira apropriada de acordo com as circunstâncias, para atender às necessidades de todos.

   A compaixão é a forma que adquire o amor altruísta quando confrontado aos sofrimentos alheios. O Budismo a define como “o desejo de que todos os seres sejam liberados do sofrimento e de suas causas” ou, como enfatiza poeticamente o monge budista Bhante Henepola Guanarana: “ O degelo do coração ao pensar o sofrimento do outro”. Essa aspiração deve ser seguida da mobilização de todos os meios possíveis para trazer alívio a seus tormentos.

   Aqui ainda, as “causas do sofrimento” incluem não somente as causas dos sofrimentos imediatos e visíveis, mas também as profundas do sofrimento, a ignorância em primeiro lugar. Por ignorância entende-se uma compreensão errônea da realidade que nos leva a cultivar estados mentais perturbadores, tais como o ódio e o desejo compulsivo, e a agir sob sua influência. Este tipo de ignorância leva-nos a perpetuar o ciclo do sofrimento e a dar as costas ao bem-estar duradouro.

   Portanto o amor benevolente e a compaixão são as duas facetas do altruísmo. É seu objeto que os distingue: o amor benevolente deseja que todos os seres sintam a felicidade, enquanto a compaixão visa a erradicação dos sofrimentos. O amor e a compaixão devem perdurar enquanto houver seres e sofrimentos.


Do livro “A revolução do altruísmo” Mattiheu Ricard, editora Palas Athena. Pgs. 46 e 47.

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