terça-feira, 14 de abril de 2015

Como Meditar Sobre a Compaixão


        


 "Evocar esse poder da compaixão em nós nem sempre é fácil. Para mim, as maneiras mais simples e melhores de chegar lá são as mais diretas. A cada dia a vida nos oferece inúmeras oportunidades de abrirmos o coração, se soubermos aproveita-las. 

         Uma mulher idosa passa a seu lado com semblante entristecido, veias inchadas nas pernas e duas sacolas plásticas cheias de compras que ela com dificuldade vai carregando; um velho de roupas surradas se arrasta à sua frente na imensa fila do correio; um menino de muletas, oprimido e ansioso, tenta atravessar a rua de tráfego pesado no final da tarde; um cão sangra até a morte na estrada; uma menina sozinha soluça histericamente no metrô. Ligue a televisão e no noticiário uma mulher, ajoelhada numa rua de Beirute, chora talvez a morte do filho assassinado; ou uma velha avozinha em Moscou toma sopa e olha a rua sem saber se amanhã vai ter o que comer; ou uma das crianças com AIDS da Romênia olha para você com seus olhos fundos e sem qualquer expressão de vida.

      Qualquer uma dessas cenas pode abrir os olhos do seu coração para o fato do vasto sofrimento do mundo. Deixe que isso aconteça. Não desperdice o amor e o pesar que nascem delas; no momento em que sente a compaixão emergindo de você, não a afaste para o lado, não se faça de indiferente nem tente voltar ao "normal"; não tenha medo dos seus sentimentos nem fique constrangido com eles, e não permita que a habitual distração se imponha ou o paralise na apatia.

        Seja vulnerável: use esse momento rápido e brilhante de compaixão; ponha-o no foco, vá fundo no seu coração e medite sobre ela, desenvolva-a, intensifique-a e aprofunde-a até onde puder.  Ao fazer isso perceberá quão cego tem sido diante do sofrimento, e o quanto a dor que tem experimentado ou visto é só uma minúscula fatia da dor que vai pelo mundo. Todos os seres, em toda parte, sofrem. Deixe que seu coração chegue até eles numa compaixão espontânea e incomensurável e dirija essa compaixão, com a benção de todos os Buddhas, para o alívio do sofrimento em toda parte.

         A compaixão é uma coisa muito maior e mais nobre do que sentir dó. Quando você sente dó, as raízes desse sentimento estão deitadas no medo e num sentimento de arrogância e condescendência, às vezes até um presunçoso "ainda bem que isso não é comigo". Como disse Stephen Levine: "Quando seu medo toca a dor de alguém, torna-se piedade; quando seu amor toca a dor de alguém,, torna-se compaixão." Treinar a compaixão, assim, é saber que todos os seres são iguais e sofrem de modo similar, é respeitar todos os que sofrem e saber que não se é nem separado sem superior a eles.

        Assim, sua primeira resposta ao ver alguém sofrendo não será de simples dó, mas de profunda compaixão. Você sente por essa pessoa respeito e até gratidão, pois sabe que aqueles que através do próprio sofrimento o estimulam a conhecer a compaixão estão de fato oferecendo-lhe o maior dos presentes, pois o ajudam a desenvolver a verdadeira virtude de que mais precisa no seu progresso rumo a iluminação.

        É por isso que dizemos no Tibete que o mendigo que lhe pede dinheiro ou a velhinha doente que lhe dá aperto no coração podem ser Buddhas disfarçados, manifestando-se no seu caminho para ajuda-lo a conquistar a compaixão e assim leva-lo ao estado Búdico."



Esse texto foi tirado do livro: "O Livro Tibetano do Viver e do Morrer" de Sogyal Rimpoche.
 Editora Talento, Palas Athena. Paginas 256, 257.