terça-feira, 28 de julho de 2015

Um Dia de Silêncio




   Quando participei do meu primeiro retiro budista, o meu maior desafio foi a prática do “Nobre Silêncio”. Tinha mais ou menos trinta pessoas fazendo o retiro e não podia dar nem uma palavra, linguagem de sinal ou tipo de comunicação. Apenas eu e minha mente. Um verdadeiro desafio sendo que o silêncio, para mim naquela época, não existia nem durante o sono...   

    A vontade de falar, conversar, foi sempre um suporte para minha mente ficar pulando de um lado para o outro sem destino ou objetivo. Esse estado mental era tão comum para mim que quando o percebi pela primeira vez fiquei impressionado com as minhas oscilações de desejos e dores que iam e vinham a todo o momento.

   Esse foi o grande desafio durante todos os retiros que eu fazia no inicio da minha jornada, mas com o tempo, naturalmente as coisas foram mudando. Foi tão natural que nem eu percebi a mudança. Naturalmente comecei a tirar alguns momentos do dia para ficar comigo mesmo. Além das minhas práticas matinais de meditação, procurei a observar cada vez mais a minha mente e com isso o silêncio vinha de maneira natural.

   Comecei a tirar um sábado por mês para fazer o meu próprio retiro. Para mim o sábado era um dia tranquilo e ainda sobrava o domingo para me dedicar aos amigos e familiares, assim, não “perdia” o final de semana.

   A rotina era bem simples, o dia iniciava às 5 horas. Acordava, fazia minhas necessidades matinais e sentava para fazer Shine. Ficava mais ou menos 2 horas.

   Depois tomava banho, tomava o meu café da manhã, lavava a louça e voltava para mais uma sessão de Shine. Só que essa mais curta, uma hora. No mesmo lugar onde fazia minha pratica eu estudava algum ensinamento. Você pode também ler algum livro...

   Antes do almoço, uma hora de Shine. Você deve coordenar o tempo de acordo com sua disponibilidade. Na hora do almoço, se já estiver tudo pronto ou mesmo que tenha que preparar algo, prepare a sua refeição dando atenção no que faz. Procure manter sua mente no momento, tudo que fizer faça consciente, não faça as coisas por fazer, no tipo “fazer no piloto automático.” Preste atenção, observe como você fica ao estudar, andar, observe como está a sua mente. Observe como mastiga o alimento, saboreie a comida... Você não tem pressa.

   Evite conversar nesse dia. Avise seus parentes mais próximos e pessoas de convívio diário que ficará um dia em silêncio, desligue o telefone nesse dia. Sei que deve ser estranho isso, mas você não vai acreditar como um dia sem celular muda o seu estado de humor.

   Mas também não vai adiantar nada desligar o celular e ficar pensando em quem está te procurando. Não pode ter sofrimento para o verdadeiro desapego. Caso sinta uma grande vontade, ligue o celular, veja que nada mudou e desligue-o. Com o tempo a necessidade de estar com o celular vai diminuindo.

   Determine um horário para acabar o seu pequeno retiro do Nobre Silêncio. Eu sempre iniciava às 5 da manhã e finalizava às 10 da noite. Mas mesmo depois de acabar, procurava falar com alguém só no outro dia. Deitava em silêncio, com a mente calma, dormia com uma paz inexplicável. No outro dia, depois do café da manhã é que eu falava com alguém.

  Sugiro você começar devagar. Escolha um dia tranquilo, uma vez por mês, faça apenas algumas horas de silêncio no inicio. Ou quem sabe metade de um dia. A solidão interior, o Nobre Silêncio são formas de esvaziar, limpar, curar e renovar o coração e a mente. Esta é uma maneira voluntaria de começar o processo de simplificação pessoal. A paz vai ajuda-lo a purificar suas percepções e tornar sua mente mais aguda, clara, espaçosa e até mesmo luminosa.

 Boa prática! 



segunda-feira, 27 de julho de 2015

Kalu Rimpoche

Kalu Rimpoche

   O Muito Venerável, O Senhor dos Refúgios, Lama Vajradhara Kalu Rimpoce, um dos maiores mestres budistas do século XX, nasceu em 1904, na região do Kham, Tibete oriental.

   Foi ordenado monge no monastério de Palpung, com 13 anos de idade, recebendo o nome de Karma Rangiung Kunkhiab. Aos 16 anos fez o tradicional retiro de três anos, três meses e três dias durante o qual recebeu, do seu mestre de retiro, Lama Norbu Töndrup, as instruções e as praticas dos Cinco Ensinamentos de Ouro, da gloriosa tradição Shangpa Kagyü.

   Praticou ainda por cinco anos em monastérios, antes de se retirar por 12 anos na solidão das grutas do Himalaia. Posteriormente, ocupou por vários anos o posto de Lama Mestre de retiro dos Centros de Naroling e Niguling.

   Em 1957, a pedido da princesa do Butão, Ashe Wagmo, e acatando a determinação de Sua Santidade o XVI Karmapa, tornou-se o abade do monastério de Jangchub Chöling, na província butanesa de Korte. Por vários anos manteve, protegeu e desenvolveu a doutrina, fundando mosteiros, criando centros de retiro e construindo stupas.

   Em 1966, estabeleceu-se em Sonada, no monastério de Samdrup Targyeling. Entre 1971 e 1989 dirigiu-se diversas vezes ao Ocidente, estabelecendo dezenas de Centros de Dharma e de Centros de retiro, a fim de transmitir as instruções liberadoras para o bem de todos os seres.

   Foi durante uma de suas viagens ao Ocidente, em 1980, na cidade de Paris, que Rimpoche autorizou, para um grupo de discípulos brasileiros, a fundação de Centros de Dharma no Brasil.

   As atividades vivíveis de Rimpoche cessaram no dia 10 de Maio de 1989, às 15h, com idade de 85 anos, quando entrou na pura clara luz, a infinitude absoluta, em postura de meditação.

Yangsi Kalu Rimpoche


No dia 17 de Setembro de 1990, por sua grande bondade e compaixão, Rimpoche retornou ao nosso convívio, na pessoa de Yangsi Kalu Rimpoche, que foi reconhecido pelo Veneravel Tai Situ Rimpoche e confirmado por Sua Santidade o Dalai Lama, como encarnação do precedente Kalu Rimpoche.

Yangsi Kalu Rimpoche e Lama Dordje


Sobre os Mantras


                                                                   Om Mani Peme Hung

   Mantras são palavras sagradas de grande poder que trazem bênçãos. Na maioria dos países asiáticos, inclusive o Tibete, os mantras ainda são recitados na língua sânscrita original. A tradução da palavra mantra é literalmente “algo onde se pode apoiar a mente”. E é isso que um mantra pode fazer.

   Meu mestre, Kalu Rimpoche, costumava falar que é mais fácil contar o numero de gotas que cai, durante uma semana de chuva torrencial, do que o beneficio de uma única só recitação de um mantra.

   A prática do mantra é uma forma rápida, eficaz e poderosa de concentrar, estabilizar e liberar a mente. A prática do mantra pode ajudar a trazer estados mentais construtivos, reforçar o treinamento mental, aumentar a inteligência básica, a atenção, a concentração e o nível de percepção.

   Existem diferentes tipos de mantras; Mantras de cura, de sabedoria, de compaixão, de percepção, de purificação, mantras para dissolver obstáculos e mantras da paz. Tem mantras de apenas uma única silaba, como o “OM” ou “AH”. Estes são chamados de mantras de silaba semente. Como a semente de uma linda planta, as silabas únicas carregam dentro de si os ensinamentos, mistérios, sabedoria e realizações do fruto final ou da flor da iluminação.

   Pode-se também se combinar a recitação do mantra com visualizações. Por exemplo, ao recitar um determinado mantra, mantemos a nossa mente uma determinada visualização e com a mão seguramos um mala (rosário) para contar o numero de repetições que fizemos.

   Algumas práticas exigem que recitemos um numero muito grande de um determinado mantra, por isso é muito comum vermos praticantes andando pela rua com o mala na mão recitando mantras.

   A meditação com mantra pode alterar a atmosfera e provocar uma transformação rápida, tanto no mundo externo como interno.



A Iluminação é a Meta. A Meditação é o Caminho.



   "Você é o Buda, você é a verdade. Então por que não sente isso? Por que não conhece isso muito bem? Por que existe um véu no caminho, que é o apego às aparências, como por exemplo a convicção de que você não é um buda, de que você é um individuo separado, um ego. Se não puder remover este véu de uma só vez, então ele terá que ser dissolvido gradualmente.

   Se você conseguir enxergar através dele, totalmente, mesmo que apenas por um instante, então poderá fazer isso novamente a qualquer momento. Onde quer que esteja, o que quer que esteja diante de você, de qualquer forma que as coisas se apresentem; simplesmente retorne a esta clareza e abertura espaçosas e sempre presentes."

     -Kalu Rimpoche.

   Quando praticamos a meditação, o que fazemos é descascar as camadas da persona. Nós continuamos descascando, camada por camada, cada vez mais, em direção ao centro, trazendo à superfície e soltando, um após o outro, os muitos rostos que apresentamos ao mundo e a nós mesmos.  

   Se nós não somos pensamentos, então quem somos? Quem é essa pessoa que tenta meditar? Quem é o experimentador que experimenta nossa experiência? É nossa mente, nosso corpo, nossa alma, nosso espírito? A grande questão é esta, a questão da identidade.

   A maioria dos meditadores traz consigo uma inspiração comum: experimentar as cosas diretamente como são, no momento presente. Agora é o único lugar onde podemos estar. Tanto as lembranças quanto aos planos ocorrem no momento presente. Na meditação nós voltamos sempre a este presente que é único, despertando gradualmente para a verdade de quem e do que somos.

   Nós sabemos que não podemos fugir, que precisamos voltar sempre. Respiramos, praticamos a atenção plena e descascamos camadas e mais camadas. Cada vez mais fundo. Vendo nossos estados mentais, soltando o que nos prende, desmascarando, descascando, até finalmente chegar ao estado original, não processado, o estado natural, o ser genuíno. Esta é a natureza Búdica, a natureza verdadeira, a natureza verdadeira – a mente natural. O Buda interior está desperto.

   Simplesmente ser – em meio a todo o fazer, o atingir e o vir-a-ser. Este é o estado natural da mente, nosso estado original e fundamental de ser. É a natureza Búdica autentica. É como reencontrar o nosso equilíbrio.

Trecho do livro O Despertar do Buda interior- Lama Surya Das. Editora Rocco.