Do ponto de vista
do não-ego, o aprendizado se baseia em abrir nosso coração e encontrar um senso
natural de disciplina. Disciplina significa, nesse contexto, harmonizar-nos com
nossa pureza inerente. Não é preciso nos apropriar de nada externo a nós mesmos
nem imitar ninguém. Somos naturalmente puros e inteligentes. Podemos já ter
alguma ideia ou experiência disso, mas precisamos também ir além ao nos
abrirmos.
Quando começamos a
nos abrir, o aprendizado deixa de ser um esforço. Torna-se como uma pessoa com
sede que bebe água fresca. É refrescante e natural. E, quanto mais aprendemos,
mais gostamos. É bem diferente da abordagem de uma academia militar ou do aprendizado
baseado num grande esforço de qualquer tipo.
Nosso caminho é às vezes difícil e outras
vezes suave; mesmo assim, a vida é uma jornada constante. Tudo o que fazemos-
dormir, comer, vestir-nos, estudar, meditar, assistir a aulas... é visto como
jornada, nosso caminho. Esse caminho consiste em abrir-se para a estrada,
abrir-se para os passos que daremos. A energia que nos permite empreender essa
jornada é conhecida como disciplina. É
a disciplina de educar a si mesmo sem o ego, conhecida também como treinar a própria
mente.
Diz-se que educar a
si mesmo é como domar um cavalo selvagem, um cavalo que nunca foi tocado por ninguém.
Primeiro você tenta pôr lhe uma sela no dorso. O cavalo manoteia, morde e escoiceia; você continua
tentando. Por fim, consegue. Em seguida passa-se as rédeas por sobre a cabeça e
coloca-se o freio na boca do animal. Pode ser difícil fazer o cavalo abrir a
boca, mas acaba entrando.
É um grande
sucesso. Você se sente bem; sente que realizou alguma coisa. Mesmo assim, ainda
falta montar no cavalo. E esse é outro processo, uma outra luta. É bem possível
que o cavalo o derrube. Conseguir segurar as rédeas pode ajudar a controlar o
cavalo, mas isso também é duvidoso. Isso pode lhe dar 40% de controle, talvez.
Quanto ao mais, é correr o risco.
Nosso estado mental
é como um cavalo selvagem. Contem lembranças do passado, sonhos quanto ao
futuro e a inconstância do presente. Concluímos que essa situação é problemática
e por isso praticamos o que se conhece como meditação.
A palavra “meditação”
tem vários significados, conforme seu uso nas diversas tradições. De acordo com
o Oxford English Dictionary, meditação
significa meditar sobre alguma coisa.
Quando está apaixonado, por exemplo, você medita sobre a pessoa que ama. Essa
pessoa é tão bonita. Faz amor admiravelmente bem- move-se com graça, beija
deliciosamente e provavelmente tem um cheiro fantástico. Meditar sobre
percepções desse tipo significa apenas que nos detemos a pensar em alguma
coisa, que nos ocupamos com alguma coisa.
Em seu sentido
fundamental, a meditação Budista não envolve meditar sobre coisa alguma.
Simplesmente reavivamos nosso senso de vigilância e mantemos a melhor postura. Mantemos
a cabeça e os ombros erguidos e sentamo-nos com as pernas cruzadas. Em seguida,
muito simplesmente nós nos ligamos à ideia básica de corpo, fala e mente
concentramos nossa atenção de alguma maneira, normalmente por meio da
respiração. Inspiramos e expiramos, simplesmente sentindo a respiração, de modo
bastante natural. A respiração não é considerada sagrada nem maligna- é apenas
respiração.
Quando vêm os
pensamentos, simplesmente os identificamos e observamos: “Pensamento”. Não há “bom
pensamento” nem “mau pensamento”. Não importa se temos um pensamento sábio ou
maligno; nós simplesmente o identificamos e dizemos: “Pensamento”. E então
voltamos a nos concentrar na respiração. Ao fazermos isso, começamos a
desenvolver a ideia de pôr a sela no cavalo. Nossa mente começa a ser treinada.
Ela se torna, nesse ponto, menos enlouquecida, menos entorpecida e mais maleável.
Essa pratica
especifica de meditação é conhecida como Shamatha,
que significa, literalmente, “ficar em paz”. Nesse contexto, “paz” não é um
estado eufórico ou bem aventurado, mas simplesmente a situação elementar e
simples, resultante da cessação da luta e do tumulto. Não se trata de procurar
alcançar um objetivo ou atingir um determinado estado de ser, nem no sentido
religioso, nem no sentido secular.
Quando praticamos
dessa maneira, constatamos que os pensamentos se perpetuam as neuroses se
desfazem ou evaporam. Em geral não prestamos atenção a nossos pensamentos. Nós
os cultivamos, inconscientemente, agindo de acordo com o que eles determinam.
Mas quando nos sentamos em silencio e olhamos para eles sem opinião nem
objetivo- quando simplesmente olhamos para eles-, eles se dissolvem por conta própria.
Na meditação Shamatha, a duração de nossa atenção se
amplia naturalmente e nossa abertura mental se desenvolve. Tornando-nos mais estáveis
e também mais alegres- livres de tumultos. É por isso que ela se denomina Shamata, “ficar em Paz”.
Esse, portanto, é o
primeiro estagio do aprendizado: aprender a aprender. É o primeiro passo.
Primeiro transcende-se a noção básica do ego, do apego à neurose. Além disso,
há o que se conhece como pratica Vipashyana,
que significa literalmente Insight. Nesse
contexto, insight significa ver as coisas como elas são, sem acrescentar-lhes
paixão ou agressão. Nesse ponto, já começamos a sair do campo da meditação e a
examinar o modo como nos relacionamos com o nosso mundo.
O mundo em que
vivemos é fabuloso. É plenamente maleável. Vemos os carros passando pela rua,
os prédios estáticos, as árvores crescendo, as flores desabrochando, a chuva
caindo, a água correndo e o vento purificando o ar, renovando-o, haja ou não
poluição. O mundo em que vivemos é muito bom, para dizer o mínimo. Não podemos
reclamar de nada.
Deveríamos começar
a aprender a ter apreço por este mundo, por este planeta em que vivemos. Deveríamos
perceber que não existe paixão, agressão ou ignorância no que vemos. Começamos
desenvolvendo uma atenção plena aos nossos passos, enquanto andamos. Em
seguida, começamos a experimentar a sacralidade de pentear o cabelo ou
vestir-nos.
Atividades como
fazer compras, atender ao telefone, trabalhar numa fabrica, estudar na escola,
tratar com nossos pais ou filhos, ir a um funeral, dar entrada na maternidade
do hospital- tudo o que fazemos é sagrado. O modo de desenvolver essa atitude é
ver as coisas como elas são, o que se consegue ao prestar atenção à energia da
situação e quando não esperamos de nosso mundo maiores distrações. É uma
questão de simplesmente ser, ser natural, e estar sempre atento a tudo o que
ocorre na nossa vida diária.
Isso é um
desenvolvimento natural da meditação Shamatha.
A meditação sentada é como tomar uma ducha. A Vipashyna, ou pratica da consciência, é como secar o corpo com uma
toalha e depois vestir as roupas.
Há, portanto, dois
aspectos em nossa jornada, em nosso processo de aprendizagem: aprender com a
meditação sentada e aprender com as experiências da vida. E não há problema em
combinar essas duas coisas. É como ter dois olhos e então colocar os óculos. É a
mesma coisa.
Por Chögyam Trungpa Rimpoche.