O
Budismo define o amor altruísta como “o
desejo que todos os seres encontrem a felicidade e as causas da felicidade”.
Por “felicidade” o Budismo não entende apenas um estado passageiro de bem-estar
ou uma sensação agradável, mas uma maneira de ser alicerçada em uma série de
qualidades que incluem o altruísmo, a liberdade interior, a força da alma,
assim como uma clara visão da realidade. Por “causas da felicidade”, o budismo
não se refere apenas às causas imediatas do bem-estar, mas às suas raízes
profundas, isto é, à busca da sabedoria e mais justa compreensão da realidade.
Esse desejo altruísta vem acompanhado de uma
constante disponibilidade em relação ao outro aliada à determinação de fazer
tudo que está em nosso poder a fim de ajudar cada ser em particular a alcançar
uma autêntica felicidade. O Budismo vai ao encontro de Aristóteles neste
aspecto, para quem “amar bem’ consiste em “querer para alguém o que se acredita
ser o bem” e “ser capaz de proporcioná-lo na medida que podemos”.
Não se trata de uma posição dogmática
decretando que “o sofrimento é o Mal”, mas de levar em consideração o desejo de
cada ser de esquivar-se do sofrimento. Uma atitude puramente normativa, cujo
objetivo seria dar um fim no sofrimento enquanto entidade abstrata, comportaria
o risco de estarmos menos atentos aos próprios seres e seus sofrimentos específicos.
Eis porque S.S. Dalai Lama nos aconselha: “Para sentir uma compaixão e uma benevolência
verdadeiras para com o outro devemos escolher uma pessoa real como objeto de
meditação e aumentar nossa compaixão e nosso amor benevolente em relação a essa
pessoa, antes de estendê-los a outros. Trabalhamos com uma pessoa de cada vez;
caso contrário, nossa compaixão corre o risco de diluir-se em um sentimento muitíssimo
generalizado e nossa meditação perderá concentração e força. Além disso a
história já nos mostrou que quando se define o bem e o mal de modo dogmático
todos os desvios são possíveis, desde a Inquisição até as ditaduras
totalitárias. Como meu pai, Jean-François Revel, afirma freqüentemente: “ Os
regimes totalitários proclamam: ‘Sabemos como torná-los felizes. Basta que sigam nossas
diretrizes. Todavia, se não concordarem, lamentamos ter que eliminá-los’”.
O amor altruísta caracteriza-se por uma benevolência
incondicional para com a totalidade dos
seres, suscetível de exprimir-se a todo instante em favor de cada ser em particular. Ela impregna o espírito
e se expressa de maneira apropriada de acordo com as circunstâncias, para
atender às necessidades de todos.
A compaixão é a forma que adquire o amor altruísta
quando confrontado aos sofrimentos alheios. O Budismo a define como “o desejo
de que todos os seres sejam liberados do sofrimento e de suas causas” ou, como
enfatiza poeticamente o monge budista Bhante Henepola Guanarana: “ O degelo do
coração ao pensar o sofrimento do outro”. Essa aspiração deve ser seguida da
mobilização de todos os meios possíveis para trazer alívio a seus tormentos.
Aqui ainda, as “causas do sofrimento”
incluem não somente as causas dos sofrimentos imediatos e visíveis, mas também as
profundas do sofrimento, a ignorância
em primeiro lugar. Por ignorância entende-se uma compreensão errônea da
realidade que nos leva a cultivar estados mentais perturbadores, tais como o
ódio e o desejo compulsivo, e a agir sob sua influência. Este tipo de ignorância
leva-nos a perpetuar o ciclo do sofrimento e a dar as costas ao bem-estar
duradouro.
Portanto o amor benevolente e a compaixão
são as duas facetas do altruísmo. É seu objeto que os distingue: o amor
benevolente deseja que todos os seres sintam a felicidade, enquanto a compaixão
visa a erradicação dos sofrimentos. O amor e a compaixão devem perdurar
enquanto houver seres e sofrimentos.
Do
livro “A revolução do altruísmo” Mattiheu Ricard, editora Palas Athena. Pgs. 46
e 47.