“Depois desta penetração, ele sobrepujou toda
dor.”
Penetrar significa
entrar em alguma coisa, não apenas ficar do lado de fora. Quando queremos
entender algo, não podemos simplesmente permanecer de fora e observar. Temos de
entrar profundamente nele e ser um com ele para compreender realmente. Se
quisermos entender uma pessoa, temos de sentir o que ela sente, sofrer o que
ela sofre e nos alegrar com suas alegrias. Penetrar é uma palavra excelente. A
palavra “compreender” é feita das raízes latinas com, que significa “junto na mente” e prehendere, que significa “captar
ou apanhar” algo. Compreender algo significa apanha-lo e tornar-se um com ele.
Não há outro caminho para se compreender alguma coisa.
Se apenas olhamos
para a folha de papel como um observador, ficando do lado de fora, não
poderemos compreendê-la completamente. Temos de penetrá-la. Temos de ser uma
nuvem, ser os raios de sol e ser o lenhador. Se pudermos penetrar e ser todas
as coisas que estão nela, nossa compreensão da folha de papel será perfeita.
Há uma história indiana
sobre um grão de sal que queria saber exatamente quão salgado era o oceano, de
maneira que saltou nele e tornou-se um com a água do oceano. Deste modo, o grão
de sal alcançou a perfeita compreensão.
Estamos preocupados com a paz e queremos
compreender a Rússia, de modo que não podemos ficar de fora apenas e ficar
observando. Temos de nos tornar um com o cidadão russo para podermos compreender
suas sensações, percepções e formações mentais. Temos de ser um com ele (ou
ela) a fim de realmente compreendermos. Isto é meditação budista – penetrar, ser um com, para realmente compreender.
Qualquer trabalho significativo em favor da paz deve seguir o principio da
não-dualidade, p principio da visão interior.
No sutra dos Quatro Fundamentos da Mente Atenta, o
Budha recomendou que nós observássemos deste modo penetrante. Ele disse que deveríamos
observar o corpo no corpo, as sensações nas sensações e as formações mentais
nas formações mentais. Por que ele usou este tipo de repetição? Porque você
precisa penetrar para se tornar um com aquilo que você quer observar e
compreender. Cientistas nucleares estão começando a afirmar isto também. Quando
você entra no mundo das partículas elementares, você precisa se tornar um
participante a fim de compreender alguma coisa. Você não pode mais ficar de
fora, permanecendo apenas como um observador extremo. Hoje muitos cientistas
preferem a palavra participante ao
invés de observador.
Em nossos esforços
por compreendermos uns aos outros, deveríamos fazer o mesmo. Esposo e esposa
que desejem compreender-se mutuamente têm de estar na pele um do outro de modo
a sentirem-se, pois, de outra forma, não poderão realmente se compreender. Sob
a luz da meditação budista, o amor é impossível sem a compreensão. Você não
pode amar uma pessoa se você não a compreende. Se você não compreende e diz
amar, isto não é amor, é alguma outra coisa.
A meditação de
Avalokita foi uma profunda penetração no interior dos cinco skandhas, Vendo
profundamente dentro dos rios da forma, das sensações, das percepções, das
formações mentais e da consciência, ele descobriu a natureza vacuosa de todos
eles e, de repente, ele sobrepojou toda dor.
Todos nós almejamos
alcançar este mesmo tipo de emancipação, teremos de olhar profundamente a fim
de penetrar a verdadeira natureza da vacuidade.
Do livro “O Coração da Compreensão”,
Thich Nhat Hanh, Editora Bodigaya.