segunda-feira, 27 de julho de 2015

Sobre os Mantras


                                                                   Om Mani Peme Hung

   Mantras são palavras sagradas de grande poder que trazem bênçãos. Na maioria dos países asiáticos, inclusive o Tibete, os mantras ainda são recitados na língua sânscrita original. A tradução da palavra mantra é literalmente “algo onde se pode apoiar a mente”. E é isso que um mantra pode fazer.

   Meu mestre, Kalu Rimpoche, costumava falar que é mais fácil contar o numero de gotas que cai, durante uma semana de chuva torrencial, do que o beneficio de uma única só recitação de um mantra.

   A prática do mantra é uma forma rápida, eficaz e poderosa de concentrar, estabilizar e liberar a mente. A prática do mantra pode ajudar a trazer estados mentais construtivos, reforçar o treinamento mental, aumentar a inteligência básica, a atenção, a concentração e o nível de percepção.

   Existem diferentes tipos de mantras; Mantras de cura, de sabedoria, de compaixão, de percepção, de purificação, mantras para dissolver obstáculos e mantras da paz. Tem mantras de apenas uma única silaba, como o “OM” ou “AH”. Estes são chamados de mantras de silaba semente. Como a semente de uma linda planta, as silabas únicas carregam dentro de si os ensinamentos, mistérios, sabedoria e realizações do fruto final ou da flor da iluminação.

   Pode-se também se combinar a recitação do mantra com visualizações. Por exemplo, ao recitar um determinado mantra, mantemos a nossa mente uma determinada visualização e com a mão seguramos um mala (rosário) para contar o numero de repetições que fizemos.

   Algumas práticas exigem que recitemos um numero muito grande de um determinado mantra, por isso é muito comum vermos praticantes andando pela rua com o mala na mão recitando mantras.

   A meditação com mantra pode alterar a atmosfera e provocar uma transformação rápida, tanto no mundo externo como interno.



A Iluminação é a Meta. A Meditação é o Caminho.



   "Você é o Buda, você é a verdade. Então por que não sente isso? Por que não conhece isso muito bem? Por que existe um véu no caminho, que é o apego às aparências, como por exemplo a convicção de que você não é um buda, de que você é um individuo separado, um ego. Se não puder remover este véu de uma só vez, então ele terá que ser dissolvido gradualmente.

   Se você conseguir enxergar através dele, totalmente, mesmo que apenas por um instante, então poderá fazer isso novamente a qualquer momento. Onde quer que esteja, o que quer que esteja diante de você, de qualquer forma que as coisas se apresentem; simplesmente retorne a esta clareza e abertura espaçosas e sempre presentes."

     -Kalu Rimpoche.

   Quando praticamos a meditação, o que fazemos é descascar as camadas da persona. Nós continuamos descascando, camada por camada, cada vez mais, em direção ao centro, trazendo à superfície e soltando, um após o outro, os muitos rostos que apresentamos ao mundo e a nós mesmos.  

   Se nós não somos pensamentos, então quem somos? Quem é essa pessoa que tenta meditar? Quem é o experimentador que experimenta nossa experiência? É nossa mente, nosso corpo, nossa alma, nosso espírito? A grande questão é esta, a questão da identidade.

   A maioria dos meditadores traz consigo uma inspiração comum: experimentar as cosas diretamente como são, no momento presente. Agora é o único lugar onde podemos estar. Tanto as lembranças quanto aos planos ocorrem no momento presente. Na meditação nós voltamos sempre a este presente que é único, despertando gradualmente para a verdade de quem e do que somos.

   Nós sabemos que não podemos fugir, que precisamos voltar sempre. Respiramos, praticamos a atenção plena e descascamos camadas e mais camadas. Cada vez mais fundo. Vendo nossos estados mentais, soltando o que nos prende, desmascarando, descascando, até finalmente chegar ao estado original, não processado, o estado natural, o ser genuíno. Esta é a natureza Búdica, a natureza verdadeira, a natureza verdadeira – a mente natural. O Buda interior está desperto.

   Simplesmente ser – em meio a todo o fazer, o atingir e o vir-a-ser. Este é o estado natural da mente, nosso estado original e fundamental de ser. É a natureza Búdica autentica. É como reencontrar o nosso equilíbrio.

Trecho do livro O Despertar do Buda interior- Lama Surya Das. Editora Rocco.



quarta-feira, 22 de julho de 2015

OS CINCO OBSTÁCULOS PARA A PRÁTICA DO SHINE




   Quando iniciamos no caminho do despertar encontramos alguns obstáculos que podem nos tirar dele.

   O Buddha, nos sutras, aconselha a buscar de inicio o estado de tranquilidade da mente (shine) e depois meditar sobre a visão superior (vipasyanâ).

   O estado de tranquilidade da mente (tibetano: shine; sânscrito: samatha) é o fundamento necessário aos yogues budistas e não budistas para abandonar as emoções conflituosas.

   É ainda uma meditação que deve ser realizada por qualquer que seja o yogue do hinayâna ou do mahayâna. E mesmo no mahayâna, todos os yogues do vajrayâna como do pâramitâyâna devem praticar shine. Esta prática é, portanto a base mais importante para todos os yogues que percorrem a via espiritual.

Os cinco vícios que impedem de realizar o shine (calma mental) são:

1-     A preguiça

É a atitude na qual a mente não entra em contato com as virtudes da prática.

2-   O esquecimento

Mesmo se a mente entra em contato com a prática ela esquece as instruções da meditação.

3-   O torpor e a agitação

Mesmo se a mente não esquece as instruções ela não fica quieta: é a agitação; ou então ela é opaca e entorpecida: é o torpor.

4-   A falta de intervenção

Quando a mente partiu no torpor ou na agitação, é não aplicar o remédio que permite eliminá-los.

5-    O excesso de intervenção

É aplicar remédios muito numerosos. Essa intervenção excessiva impede a mente de ficar quieta.

   Lembre-se que não é apenas lendo os textos que conseguiremos avançar na nossa busca. De nada vale o conhecimento se não é usado. Precisamos nos dedicar com paciência e atenção sempre com a orientação de um Lama ou um professor qualificado. 


terça-feira, 14 de julho de 2015

Domar o Cavalo, Cavalgar a Mente



    Do ponto de vista do não-ego, o aprendizado se baseia em abrir nosso coração e encontrar um senso natural de disciplina. Disciplina significa, nesse contexto, harmonizar-nos com nossa pureza inerente. Não é preciso nos apropriar de nada externo a nós mesmos nem imitar ninguém. Somos naturalmente puros e inteligentes. Podemos já ter alguma ideia ou experiência disso, mas precisamos também ir além ao nos abrirmos.

   Quando começamos a nos abrir, o aprendizado deixa de ser um esforço. Torna-se como uma pessoa com sede que bebe água fresca. É refrescante e natural. E, quanto mais aprendemos, mais gostamos. É bem diferente da abordagem de uma academia militar ou do aprendizado baseado num grande esforço de qualquer tipo.

   Nosso caminho é às vezes difícil e outras vezes suave; mesmo assim, a vida é uma jornada constante. Tudo o que fazemos- dormir, comer, vestir-nos, estudar, meditar, assistir a aulas... é visto como jornada, nosso caminho. Esse caminho consiste em abrir-se para a estrada, abrir-se para os passos que daremos. A energia que nos permite empreender essa jornada é conhecida como disciplina. É a disciplina de educar a si mesmo sem o ego, conhecida também como treinar a própria mente.

   Diz-se que educar a si mesmo é como domar um cavalo selvagem, um cavalo que nunca foi tocado por ninguém. Primeiro você tenta pôr lhe uma sela no dorso.  O cavalo manoteia, morde e escoiceia; você continua tentando. Por fim, consegue. Em seguida passa-se as rédeas por sobre a cabeça e coloca-se o freio na boca do animal. Pode ser difícil fazer o cavalo abrir a boca, mas acaba entrando.

    É um grande sucesso. Você se sente bem; sente que realizou alguma coisa. Mesmo assim, ainda falta montar no cavalo. E esse é outro processo, uma outra luta. É bem possível que o cavalo o derrube. Conseguir segurar as rédeas pode ajudar a controlar o cavalo, mas isso também é duvidoso. Isso pode lhe dar 40% de controle, talvez. Quanto ao mais, é correr o risco.

   Nosso estado mental é como um cavalo selvagem. Contem lembranças do passado, sonhos quanto ao futuro e a inconstância do presente. Concluímos que essa situação é problemática e por isso praticamos o que se conhece como meditação.

   A palavra “meditação” tem vários significados, conforme seu uso nas diversas tradições. De acordo com o Oxford English Dictionary, meditação significa meditar sobre alguma coisa. Quando está apaixonado, por exemplo, você medita sobre a pessoa que ama. Essa pessoa é tão bonita. Faz amor admiravelmente bem- move-se com graça, beija deliciosamente e provavelmente tem um cheiro fantástico. Meditar sobre percepções desse tipo significa apenas que nos detemos a pensar em alguma coisa, que nos ocupamos com alguma coisa.

   Em seu sentido fundamental, a meditação Budista não envolve meditar sobre coisa alguma. Simplesmente reavivamos nosso senso de vigilância e mantemos a melhor postura. Mantemos a cabeça e os ombros erguidos e sentamo-nos com as pernas cruzadas. Em seguida, muito simplesmente nós nos ligamos à ideia básica de corpo, fala e mente concentramos nossa atenção de alguma maneira, normalmente por meio da respiração. Inspiramos e expiramos, simplesmente sentindo a respiração, de modo bastante natural. A respiração não é considerada sagrada nem maligna- é apenas respiração.

   Quando vêm os pensamentos, simplesmente os identificamos e observamos: “Pensamento”. Não há “bom pensamento” nem “mau pensamento”. Não importa se temos um pensamento sábio ou maligno; nós simplesmente o identificamos e dizemos: “Pensamento”. E então voltamos a nos concentrar na respiração. Ao fazermos isso, começamos a desenvolver a ideia de pôr a sela no cavalo. Nossa mente começa a ser treinada. Ela se torna, nesse ponto, menos enlouquecida, menos entorpecida e mais maleável.  

   Essa pratica especifica de meditação é conhecida como Shamatha, que significa, literalmente, “ficar em paz”. Nesse contexto, “paz” não é um estado eufórico ou bem aventurado, mas simplesmente a situação elementar e simples, resultante da cessação da luta e do tumulto. Não se trata de procurar alcançar um objetivo ou atingir um determinado estado de ser, nem no sentido religioso, nem no sentido secular.

   Quando praticamos dessa maneira, constatamos que os pensamentos se perpetuam as neuroses se desfazem ou evaporam. Em geral não prestamos atenção a nossos pensamentos. Nós os cultivamos, inconscientemente, agindo de acordo com o que eles determinam. Mas quando nos sentamos em silencio e olhamos para eles sem opinião nem objetivo- quando simplesmente olhamos para eles-, eles se dissolvem por conta própria.

   Na meditação Shamatha, a duração de nossa atenção se amplia naturalmente e nossa abertura mental se desenvolve. Tornando-nos mais estáveis e também mais alegres- livres de tumultos. É por isso que ela se denomina Shamata, “ficar em Paz”.  

   Esse, portanto, é o primeiro estagio do aprendizado: aprender a aprender. É o primeiro passo. Primeiro transcende-se a noção básica do ego, do apego à neurose. Além disso, há o que se conhece como pratica Vipashyana, que significa literalmente Insight. Nesse contexto, insight significa ver as coisas como elas são, sem acrescentar-lhes paixão ou agressão. Nesse ponto, já começamos a sair do campo da meditação e a examinar o modo como nos relacionamos com o nosso mundo.

   O mundo em que vivemos é fabuloso. É plenamente maleável. Vemos os carros passando pela rua, os prédios estáticos, as árvores crescendo, as flores desabrochando, a chuva caindo, a água correndo e o vento purificando o ar, renovando-o, haja ou não poluição. O mundo em que vivemos é muito bom, para dizer o mínimo. Não podemos reclamar de nada.

   Deveríamos começar a aprender a ter apreço por este mundo, por este planeta em que vivemos. Deveríamos perceber que não existe paixão, agressão ou ignorância no que vemos. Começamos desenvolvendo uma atenção plena aos nossos passos, enquanto andamos. Em seguida, começamos a experimentar a sacralidade de pentear o cabelo ou vestir-nos.

  Atividades como fazer compras, atender ao telefone, trabalhar numa fabrica, estudar na escola, tratar com nossos pais ou filhos, ir a um funeral, dar entrada na maternidade do hospital- tudo o que fazemos é sagrado. O modo de desenvolver essa atitude é ver as coisas como elas são, o que se consegue ao prestar atenção à energia da situação e quando não esperamos de nosso mundo maiores distrações. É uma questão de simplesmente ser, ser natural, e estar sempre atento a tudo o que ocorre na nossa vida diária.

  Isso é um desenvolvimento natural da meditação Shamatha. A meditação sentada é como tomar uma ducha. A Vipashyna, ou pratica da consciência, é como secar o corpo com uma toalha e depois vestir as roupas.

   Há, portanto, dois aspectos em nossa jornada, em nosso processo de aprendizagem: aprender com a meditação sentada e aprender com as experiências da vida. E não há problema em combinar essas duas coisas. É como ter dois olhos e então colocar os óculos. É a mesma coisa.

Por Chögyam Trungpa Rimpoche.