segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Reflexão e Mudança




   "Quando eu era criança no Tibete, ouvi a história de Krisha Gotomi, uma jovem mulher que teve a sorte de viver na mesma época do Buda.  Quando seu primogênito tinha cerca de um ano, ficou doente e morreu. Acometida pelo pesar e agarrando o seu corpinho, Krisha Gotomi perambulou pelas ruas implorando a todos que encontrava um remédio para restituir seu filho à vida. Alguns a ignoravam, outros riam dela, outros ainda pensavam que ela era louca, mas finalmente encontrou um sábio que lhe disse que a única pessoa no mundo que podia realizar o milagre que ela buscava era o Buda.

   Assim ela foi até o Buda, deitou o corpo da criança a seus p[es, e contou-lhe a sua história. O Buda ouviu com infinita compaixão. Então ele disse suavemente: “Há apenas um modo de curara sua aflição. Vá para a cidade e me traga aqui uma semente de mostarda de uma casa onde nunca tenha ocorrido um falecimento.”

   Krisha Gotami sentiu-se exultante e partiu  imediatamente para a cidade. Parou na primeira casa que viu e disse: “O Buda me pediu para vir buscar uma semente de mostarda de uma casa que nunca conheceu a morte”.

   “Muita gente morreu nesta casa”, contaram-lhe. Ela passou para a casa seguinte. “Houve inúmeras mortes em nossa família”, disseram-lhe. E assim foram na terceira e quarta casas, até que ela percorreu a cidade toda e percebeu que o requisito do Buda não poderia ser cumprido.

   Tomou o corpo do seu filho, levou-o à sepultura e disse-lhe adeus pela última vez. Voltou então para o Buda. “Você trouxe o grão de mostarda?”, ele perguntou.

   “Não”, disse ela. “Começo a entender a lição que esta tentando me ensinar. O sofrimento me cegou e eu imaginei ser a única pessoa que sofria nas mãos da morte.”

   “Por que você voltou?”, perguntou o Buda.

   “Para lhe pedir que me ensine a verdade”, ela respondeu, “sobre o que é a morte, o que pode haver por trás e além dela, e o que há em mim, se é que há algo, que não morrerá.”

   O Buda começou a ensinar-lhe: “Se quer saber a verdade da vida e da morte, precisa refletir continuamente sobre isso: há somente um lei que nunca muda no universo – é a de que todas as coisas mudam, todas as coisas são impermanentes. A morte do seu filho ajudou você a ver que o reino em que estamos – samsara- é um oceano de insuportável sofrimento. Há um caminho, e apenas um caminho, para sair do ciclo incessante de nascimento e morte do samsara, que é o caminho da libertação. Uma vez que a dor agora a preparou para o aprendizado, e seu coração está se abrindo á verdade, vou mostrar-lhe esse caminho.”

   Krisha Gotami ajoelhou-se aos pés do Buda e o seguiu pelo resto de
 sua vida. Perto do fim, seguindo se conta, ela alcançou a iluminação."


Por Sogyal Rimpoche- Livro- O Livro Tibetano Do Viver E Do Morrer, pag. 50 e 51. Editora Talento/ Palas Athena





terça-feira, 30 de maio de 2017

O Caminho da Compreensão




Depois desta penetração, ele sobrepujou toda dor.”


   Penetrar significa entrar em alguma coisa, não apenas ficar do lado de fora. Quando queremos entender algo, não podemos simplesmente permanecer de fora e observar. Temos de entrar profundamente nele e ser um com ele para compreender realmente. Se quisermos entender uma pessoa, temos de sentir o que ela sente, sofrer o que ela sofre e nos alegrar com suas alegrias. Penetrar é uma palavra excelente. A palavra “compreender” é feita das raízes latinas com, que significa “junto na mente” e prehendere, que significa “captar ou apanhar” algo. Compreender algo significa apanha-lo e tornar-se um com ele. Não há outro caminho para se compreender alguma coisa.

   Se apenas olhamos para a folha de papel como um observador, ficando do lado de fora, não poderemos compreendê-la completamente. Temos de penetrá-la. Temos de ser uma nuvem, ser os raios de sol e ser o lenhador. Se pudermos penetrar e ser todas as coisas que estão nela, nossa compreensão da folha de papel será perfeita.

   Há uma história indiana sobre um grão de sal que queria saber exatamente quão salgado era o oceano, de maneira que saltou nele e tornou-se um com a água do oceano. Deste modo, o grão de sal alcançou a perfeita compreensão.

    Estamos preocupados com a paz e queremos compreender a Rússia, de modo que não podemos ficar de fora apenas e ficar observando. Temos de nos tornar um com o cidadão russo para podermos compreender suas sensações, percepções e formações mentais. Temos de ser um com ele (ou ela) a fim de realmente compreendermos. Isto é meditação budista – penetrar,  ser um com, para realmente compreender. Qualquer trabalho significativo em favor da paz deve seguir o principio da não-dualidade, p principio da visão interior.

   No sutra dos Quatro Fundamentos da Mente Atenta, o Budha recomendou que nós observássemos deste modo penetrante. Ele disse que deveríamos observar o corpo no corpo, as sensações nas sensações e as formações mentais nas formações mentais. Por que ele usou este tipo de repetição? Porque você precisa penetrar para se tornar um com aquilo que você quer observar e compreender. Cientistas nucleares estão começando a afirmar isto também. Quando você entra no mundo das partículas elementares, você precisa se tornar um participante a fim de compreender alguma coisa. Você não pode mais ficar de fora, permanecendo apenas como um observador extremo. Hoje muitos cientistas preferem a palavra participante ao invés de observador.

   Em nossos esforços por compreendermos uns aos outros, deveríamos fazer o mesmo. Esposo e esposa que desejem compreender-se mutuamente têm de estar na pele um do outro de modo a sentirem-se, pois, de outra forma, não poderão realmente se compreender. Sob a luz da meditação budista, o amor é impossível sem a compreensão. Você não pode amar uma pessoa se você não a compreende. Se você não compreende e diz amar, isto não é amor, é alguma outra coisa.

   A meditação de Avalokita foi uma profunda penetração no interior dos cinco skandhas, Vendo profundamente dentro dos rios da forma, das sensações, das percepções, das formações mentais e da consciência, ele descobriu a natureza vacuosa de todos eles e, de repente, ele sobrepojou toda dor.

   Todos nós almejamos alcançar este mesmo tipo de emancipação, teremos de olhar profundamente a fim de penetrar a verdadeira natureza da vacuidade.



Do livro “O Coração da Compreensão”, Thich Nhat Hanh, Editora Bodigaya. 




quinta-feira, 20 de abril de 2017

Proteção Mediante a Plena Atenção


Certa vez o Bem-Aventurado contou a seus monges a seguinte estória:

        Houve uma vez, um par de saltimbancos que fazia acrobacias numa vara de bambu. Um dia, disse o mestre-acrobata a seu aprendiz: - Apoie-se nos meus ombros e suba na vara de bambu.  – Assim que o aprendiz o fez, falou o mestre: - Agora proteja-me bem, que eu o protegerei. Protegendo-nos e vigiando-nos mutuamente, desta forma, seremos capazes de mostrar nossa habilidade, teremos bom proveito e desceremos com segurança da vara de bambu. – Mas, disse o aprendiz: - assim não, mestre. Vós, ó mestre, deveis proteger-vos, enquanto eu também protegerei a mim mesmo. Assim, cada um de nós protegendo e guardando a si mesmo, melhor desempenharemos nossas tarefas.
O Budha, que passava, ouvindo o colóquio disse:

       - Assim é que está certo. – acrescentando ainda:- é exatamente como diz o aprendiz: “Eu mesmo me protegerei” (da mesma forma devem as Bases ou Quatro Fundamentos da Plena Atenção Mental- Satipatthana- serem postas em prática). “Protegerei os outros” (dessa forma devem as bases da plenitude mental ser praticadas). “Protegendo-nos a nós mesmos, protegeremos os outros; protegendo os outros, protegeremos a nós mesmos.”

     - E como fazer para proteger a si mesmo e proteger os outros? Pela repetida e frequente prática de meditação.

    - E como fazer para proteger os outros e proteger a si mesmo? Pela paciência e pela indulgência, por uma vida pura e de não-violência, pela bondade e compaixão. (Satipatthana Samyutta n.o 19.)

   Este Sutra pertence ao número considerável de ensinamentos importantes e eminentemente práticos de Budha, que se acham ocultos como um tesouro enterrado, desconhecido e sem uso. Assim, este texto contém uma importante mensagem para nós, e o fato de ele ainda estar lacrado com o selo da Plena Atenção (Vigilância) é um apelo adicional à nossa atenção.


   Do livro Budismo: Psicologia do Autoconhecimento- Dr. Georges da Silva & Rita Homenko. Editora Pensamento- pag.110 e 111.






quarta-feira, 8 de março de 2017

As 6 Forças Do Caminho Do Shine



                                 Cada força prepara e serve de suporte para a seguinte.

                O estudo permite compreender que é necessário se lembrar.
                Com a prática a qualidade da atenção aumenta;
                Isso evita  o esgotamento nas distrações e produz a energia.
                Com o treinamento vem o hábito e a facilidade.

*  *  *

1) « A força da escuta »  ,R?- 0:A-!R2?-
É uma capacidade adquirida graças ao estudo, a aprendizagem dos ensinamentos e instruções. Antes de poder aplicá-las de maneira eficaz, é preciso saber porque elas são necessárias e em que elas consistem.

2) « A força da reflexão »  2?3- 0:A-!R2?-  . Aprender de cor não é suficiente, é preciso compreender, integrar, apropriar-se do sentido do ensinamento pelo exame e reflexão.


3) « A força da lembrança »  Ou da «  atenção-lembrança ».  S/- 0:A- !R2?-
Uma vez que se esteja engajado na prática, é preciso não se esquecer das instruções que foram aprendidas.
A atenção permite perceber o que ocorre; graças ao discernimento pode-se fazer uma avaliação pertinente e depois referindo-se às instruções guardadas na memória, pode-se aplicar o remédio apropriado e fazendo assim progredir com a meditação.

4) « A força da vigilância »  >J?- 28A/- IA- !R2?-
Com a purificação do torpor e da agitação grosseira a qualidade da atenção aumenta e torna-se vigilância. Trata-se de uma atenção de grande acuidade que ativa instantaneamente o processo que antes era mais longo e laborioso.

5) « A força da energia. »  2lR/- :P?- GA- !R2?-
Gampopa define energia como « Regozijar-se da prática da virtude ». Portanto, trata-se sobretudo de uma vitalidade enérgica e entusiasmo e não de um esforço laborioso e penoso.

6) « A força do perfeito hábito » ;R%?- ?- :SA?- 0:A- !R2?-  
 Uma vez que muito se exercitou, menos atenção, reflexão ou esforços são necessários.
O que no início era difícil, com o treinamento, torna-se fácil e natural. Um bom hábito que torna-se, ele mesmo, uma força.


Esse texto faz parte do resumo feito pelo venerável Bokar Rinpoche,  A Abertura da Porta do Sentido Definitivo, Nge Dön Godje, sendo traduzido no KPG, em Brasilia, pelo Lama Trinle.