terça-feira, 30 de maio de 2017

O Caminho da Compreensão




Depois desta penetração, ele sobrepujou toda dor.”


   Penetrar significa entrar em alguma coisa, não apenas ficar do lado de fora. Quando queremos entender algo, não podemos simplesmente permanecer de fora e observar. Temos de entrar profundamente nele e ser um com ele para compreender realmente. Se quisermos entender uma pessoa, temos de sentir o que ela sente, sofrer o que ela sofre e nos alegrar com suas alegrias. Penetrar é uma palavra excelente. A palavra “compreender” é feita das raízes latinas com, que significa “junto na mente” e prehendere, que significa “captar ou apanhar” algo. Compreender algo significa apanha-lo e tornar-se um com ele. Não há outro caminho para se compreender alguma coisa.

   Se apenas olhamos para a folha de papel como um observador, ficando do lado de fora, não poderemos compreendê-la completamente. Temos de penetrá-la. Temos de ser uma nuvem, ser os raios de sol e ser o lenhador. Se pudermos penetrar e ser todas as coisas que estão nela, nossa compreensão da folha de papel será perfeita.

   Há uma história indiana sobre um grão de sal que queria saber exatamente quão salgado era o oceano, de maneira que saltou nele e tornou-se um com a água do oceano. Deste modo, o grão de sal alcançou a perfeita compreensão.

    Estamos preocupados com a paz e queremos compreender a Rússia, de modo que não podemos ficar de fora apenas e ficar observando. Temos de nos tornar um com o cidadão russo para podermos compreender suas sensações, percepções e formações mentais. Temos de ser um com ele (ou ela) a fim de realmente compreendermos. Isto é meditação budista – penetrar,  ser um com, para realmente compreender. Qualquer trabalho significativo em favor da paz deve seguir o principio da não-dualidade, p principio da visão interior.

   No sutra dos Quatro Fundamentos da Mente Atenta, o Budha recomendou que nós observássemos deste modo penetrante. Ele disse que deveríamos observar o corpo no corpo, as sensações nas sensações e as formações mentais nas formações mentais. Por que ele usou este tipo de repetição? Porque você precisa penetrar para se tornar um com aquilo que você quer observar e compreender. Cientistas nucleares estão começando a afirmar isto também. Quando você entra no mundo das partículas elementares, você precisa se tornar um participante a fim de compreender alguma coisa. Você não pode mais ficar de fora, permanecendo apenas como um observador extremo. Hoje muitos cientistas preferem a palavra participante ao invés de observador.

   Em nossos esforços por compreendermos uns aos outros, deveríamos fazer o mesmo. Esposo e esposa que desejem compreender-se mutuamente têm de estar na pele um do outro de modo a sentirem-se, pois, de outra forma, não poderão realmente se compreender. Sob a luz da meditação budista, o amor é impossível sem a compreensão. Você não pode amar uma pessoa se você não a compreende. Se você não compreende e diz amar, isto não é amor, é alguma outra coisa.

   A meditação de Avalokita foi uma profunda penetração no interior dos cinco skandhas, Vendo profundamente dentro dos rios da forma, das sensações, das percepções, das formações mentais e da consciência, ele descobriu a natureza vacuosa de todos eles e, de repente, ele sobrepojou toda dor.

   Todos nós almejamos alcançar este mesmo tipo de emancipação, teremos de olhar profundamente a fim de penetrar a verdadeira natureza da vacuidade.



Do livro “O Coração da Compreensão”, Thich Nhat Hanh, Editora Bodigaya. 




quinta-feira, 20 de abril de 2017

Proteção Mediante a Plena Atenção


Certa vez o Bem-Aventurado contou a seus monges a seguinte estória:

        Houve uma vez, um par de saltimbancos que fazia acrobacias numa vara de bambu. Um dia, disse o mestre-acrobata a seu aprendiz: - Apoie-se nos meus ombros e suba na vara de bambu.  – Assim que o aprendiz o fez, falou o mestre: - Agora proteja-me bem, que eu o protegerei. Protegendo-nos e vigiando-nos mutuamente, desta forma, seremos capazes de mostrar nossa habilidade, teremos bom proveito e desceremos com segurança da vara de bambu. – Mas, disse o aprendiz: - assim não, mestre. Vós, ó mestre, deveis proteger-vos, enquanto eu também protegerei a mim mesmo. Assim, cada um de nós protegendo e guardando a si mesmo, melhor desempenharemos nossas tarefas.
O Budha, que passava, ouvindo o colóquio disse:

       - Assim é que está certo. – acrescentando ainda:- é exatamente como diz o aprendiz: “Eu mesmo me protegerei” (da mesma forma devem as Bases ou Quatro Fundamentos da Plena Atenção Mental- Satipatthana- serem postas em prática). “Protegerei os outros” (dessa forma devem as bases da plenitude mental ser praticadas). “Protegendo-nos a nós mesmos, protegeremos os outros; protegendo os outros, protegeremos a nós mesmos.”

     - E como fazer para proteger a si mesmo e proteger os outros? Pela repetida e frequente prática de meditação.

    - E como fazer para proteger os outros e proteger a si mesmo? Pela paciência e pela indulgência, por uma vida pura e de não-violência, pela bondade e compaixão. (Satipatthana Samyutta n.o 19.)

   Este Sutra pertence ao número considerável de ensinamentos importantes e eminentemente práticos de Budha, que se acham ocultos como um tesouro enterrado, desconhecido e sem uso. Assim, este texto contém uma importante mensagem para nós, e o fato de ele ainda estar lacrado com o selo da Plena Atenção (Vigilância) é um apelo adicional à nossa atenção.


   Do livro Budismo: Psicologia do Autoconhecimento- Dr. Georges da Silva & Rita Homenko. Editora Pensamento- pag.110 e 111.






quarta-feira, 8 de março de 2017

As 6 Forças Do Caminho Do Shine



                                 Cada força prepara e serve de suporte para a seguinte.

                O estudo permite compreender que é necessário se lembrar.
                Com a prática a qualidade da atenção aumenta;
                Isso evita  o esgotamento nas distrações e produz a energia.
                Com o treinamento vem o hábito e a facilidade.

*  *  *

1) « A força da escuta »  ,R?- 0:A-!R2?-
É uma capacidade adquirida graças ao estudo, a aprendizagem dos ensinamentos e instruções. Antes de poder aplicá-las de maneira eficaz, é preciso saber porque elas são necessárias e em que elas consistem.

2) « A força da reflexão »  2?3- 0:A-!R2?-  . Aprender de cor não é suficiente, é preciso compreender, integrar, apropriar-se do sentido do ensinamento pelo exame e reflexão.


3) « A força da lembrança »  Ou da «  atenção-lembrança ».  S/- 0:A- !R2?-
Uma vez que se esteja engajado na prática, é preciso não se esquecer das instruções que foram aprendidas.
A atenção permite perceber o que ocorre; graças ao discernimento pode-se fazer uma avaliação pertinente e depois referindo-se às instruções guardadas na memória, pode-se aplicar o remédio apropriado e fazendo assim progredir com a meditação.

4) « A força da vigilância »  >J?- 28A/- IA- !R2?-
Com a purificação do torpor e da agitação grosseira a qualidade da atenção aumenta e torna-se vigilância. Trata-se de uma atenção de grande acuidade que ativa instantaneamente o processo que antes era mais longo e laborioso.

5) « A força da energia. »  2lR/- :P?- GA- !R2?-
Gampopa define energia como « Regozijar-se da prática da virtude ». Portanto, trata-se sobretudo de uma vitalidade enérgica e entusiasmo e não de um esforço laborioso e penoso.

6) « A força do perfeito hábito » ;R%?- ?- :SA?- 0:A- !R2?-  
 Uma vez que muito se exercitou, menos atenção, reflexão ou esforços são necessários.
O que no início era difícil, com o treinamento, torna-se fácil e natural. Um bom hábito que torna-se, ele mesmo, uma força.


Esse texto faz parte do resumo feito pelo venerável Bokar Rinpoche,  A Abertura da Porta do Sentido Definitivo, Nge Dön Godje, sendo traduzido no KPG, em Brasilia, pelo Lama Trinle. 





terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Sobre o Karma


  

 São nossas ações do passado que nos fizeram ser o que somos hoje; são nossas ações do presente que farão o que seremos amanhã. Por isso prestar atenção nas nossas ações no aqui agora é essencial para evitar sofrimentos no futuro.

   Não adianta ficar pensando no que já passou, o passado não tem mais como arrumar. Faça uma reflexão das suas ações e consequências e preste atenção no presente para não cometer os mesmos erros do passado.

   Também não adianta ficar pensando no futuro, ele é apenas uma ilusão. Se você quer conquistar algo no futuro, procure usar o presente de forma correta e significativa. Crie causas e condições para que as coisas aconteçam...

   Os ensinamentos falam que o Karma é a atividade. “É a lei de encadeamento das causas e as consequência dos atos.” Prestar atenção nas ações evita o sofrimento do arrependimento.

   Consiste em dez atos não virtuosos ou nocivos que provem as seis emoções perturbadoras da mente: o Desejo, a aversão, a estupidez, a avareza, o ciúme, o orgulho (que pode ser efetivados por três portas: O corpo, a palavra e a mente).

Os atos negativos do corpo:

- Matar
- Apropriar-se pelo que não foi lhe dado, roubar
- A má conduta sexual

Os atos negativos pela palavra:

- Mentir
- Criar discórdia por maledicência
- Empregar palavras ofensivas
- Usar palavras fúteis

Os atos negativos da mente:

- O desejo, a cobiça
- O desejo de prejudicar

-Ter visões errôneas a respeito do Dharma







quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O Mantra Da Compaixão


    O mantra da compaixão, OM MANI PADME HUM, é pronunciado pelos tibetanos OM MANI PEME HUNG. Ele encarna a compaixão e a benção de todos os Budhas e Bodhisatvas, e invoca especialmente a benção de Avalokiteshvara, o Budha da Compaixão. Avalokiteshvara é uma manifestação do Budha no Sambhogakaya, e seu mantra é considerado a essência da compaixão do Budha por todos os seres. Assim como Padmasambhava é o mestre mais importante do povo tibetano, Avalokitesshvara é o seu Budha mais importante e a deidade cármica do Tibete. Há um dito famoso que dia que o Budha da Compaixão está tão irraigado na consciência tibetana que qualquer criançaque saiba dizer “mãe” sabe também recitar o mantra OM MANI PEME HUNG.

   Conta-se que, há inumeráveis eras, mil príncipes juraram tornar-se Budhas. Um deles quis tornar-se o Budha que conhecemos Sidarta Gautama. Avalokiteshvara, no entanto, prometeu não obter a iluminação até que todos os outros mil príncipes a tivesse conseguido. Na sua infinita compaixão, ele também fez o voto de liberar todos os seres sencientes do sofrimento dos vários reinos do Samsara. Diante dos Budhas das dez direções, ele rezou: “Possa eu ajudar todos os seres, e se alguma vez cansar nesse trabalho imenso, possa o meu corpo ser despedaçado em mil partes”.  

   Conta-se que primeiro ele desceu aos infernos, subindo gradualmente através do mundo dos fantasmas famintos até o reino dos deuses. De lá olhou para baixo e viu horrorizado que, embora tivesse salvo inúmeros seres do inferno, incontáveis outros estavam caindo lá. Isso o deixou na mais profunda dor.  Por um instante ele quase perdeu a fé no seu nobre voto, e seu corpo explodiu em mil pedaços. Em desespero, pediu ajuda a todos os Budhas, que vieram em sua direção de todos os recantos do universo como uma suave tempestade de neve com seus flocos brancos, segundo diz um texto.

    Com seu grande poder, os Budhas deixaram-no inteiro de novo, e a partir de então avalokiteshvara tem onze cabeças e mil braços, e em cada palma das mil mãos tem um olho, significando a união da sabedoria e dos meios hábeis- marca da verdadeira compaixão. Nessa forma ele ficou ainda mais resplandecente e poderoso do que antes para ajudar todos os seres, e sua compaixão aumentou de intensidade com a continua repetição de seu voto diante dos Budhas: “Possa eu não obter o estado búdico supremo antes que todos os seres sencientes alcancem a iluminação”.

   Conta-se ainda que, em sua tristeza pela dor do Samsara, duas lágrimas caíram do seu rosto: pela bênção dos Budhas elas se transformaram nas duas Taras. Uma é a Tara em sua forma verde, que á força ativa da compaixão, e a outra é Tara em sua forma branca, que é o aspecto materno da compaixão. O nome Tara significa “aquela que liberta”: a que nos transporta através do oceano do Samsara.

   Está escrito nos sutras do Mahayana que Avalokiteshvara deu seu mantra ao próprio Budha, que em troca lhe deu a nobre e especial tarefa de ajudar todos os seres do universo no caminho para o estado búdico. Nesse mometo, todos os deuses fizeram chover flores sobre eles, a terra estremeceu e no ar ressoou o som de OM MANI PEME HUM HRIH.

   Nas palavras do poema:

 Avalokiteshvara é como a lua                                                                                               Cuja luz refrescante apaga os fogos ardentes do Samsara.      
Em seus raios o lótus noturno da compaixão                
Abre todas as pétalas.
 

   Os ensinamentos explicam que cada uma das seis sílabas do mantra- OM MANI PEME HUNG- tem um efeito poderoso e especifico para produzir transformações em níveis diferentes do nosso ser. As seis sílabas purificam por completo as seis emoções negativas, que são a manifestação da ignorância e que nos fazem agir negativamente com o nosso corpo, fala e mente, criando desse modo o Samsara e nosso sofrimento nele. Orgulho, ciúme, desejo, ignorância, ganancia e ódio são transformados pelo mantra na verdadeira natureza de cada um deles: as sabedorias das seis famílias búdicas que se tornam manifestas na mente iluminada.

   Assim, quando recitamos OM MANI PEME HUNG, as seis emoções negativas que são a causa dos seis reinos do Samsara, são purificadas. Desse modo, recitar as seis sílabas previne o renascimento em cada um desses seis reinos, e também dissolve o sofrimento inerente de cada reino. Ao mesmo tempo, a recitação OM MANI PEME HUNG purifica os agregados do ego- os skandhas- e aperfeiçoa os seis tipos de ação transcendental do centro da mente iluminada, as paramitas: generosidade, conduta harmoniosa, perseverança, entusiasmo, concentração e visão interior. Também se diz que OM MANI PEME HUNG assegura forte proteção contra todo tipo de influencia negativa e várias formas diferentes de doença.

   Com frequência, HRIH, a “sílaba-semente” de Avalokiteshvara, é acrescida ao mantra para fazer OM MANI PEME HUNG HRIH. Essencia da compaixão de todos os Budhas, HRIH é o catalisador que ativa a compaixão dos Budhas para transformar  nossas emoções negativas na sua natureza de sabedoria.

   Kalu Rimpoche escreve:

   Outro modo de interpretar o mantra considera que a sílaba Om é a essência da forma iluminada. MANI PEME, as quatro silabas do meio, representam a fala da iluminação. A última sílaba, HUNG, representa a mente da iluminação. O corpo, a fala e a mente de todos os Budhas e Bodhisatvas são parte intrínseca do som desse mantra. Ele purifica os obscurecimentos do corpo, da fala e da  mente, e traz todos os seres ao estado de realização. Quando se junta à nossa própria fé e aos nossos esforços na meditação e recitação, o poder transformador do mantra aparece e aumenta. É verdadeiramente possível purificarmos desse modo.

   Para aqueles que estão familiarizados com o mantra e o recitaram com fervor e fé toda sua vida, o Livro Tibetano dos Mortos ora no bardo: “Quando o som do Dharma ruge como mil trovões, possa todo ele se tornar o som das seis silabas”. Da mesma forma lemos no Surangama Sutra:

   Como é doce e misterioso o som transcendental de Avalokiteshvara! É o som primordial do universo... É o murmúrio suave da maré vazante. Seu som misterioso traz a libertação e a paz a todos os seres sencientes que em sua dor estão pedindo ajuda, e traz a sensação de serena estabilidade aos que estão buscando a paz ilimitada do Nirvana.
                                           







Do Livro “ O Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, Sogyal Rimpoche. Pags. 482, 483, 484 e 485.