A psicologia budista tradicional dá ênfase à importância da experiência
direta no trabalho psicológico. Quando se conta somente com a teoria, perde-se
algo de essencial. Do ponto de vista budista, o estudo da teoria é apenas o
primeiro passo e deve ser complementado por um aprendizado da experiência direta
da própria mente, em si mesmo e nos outros.
Na tradição budista,
esse aspecto experimental é desenvolvido com a pratica da meditação, que é uma
observação da mente, em primeira mão. A meditação não é, no budismo, uma
pratica religiosa, mas um meio de esclarecer a natureza real da mente e da experiência.
Diz-se tradicionalmente que o aprendizado da meditação envolve três aspectos: SHILA (disciplina), SAMADHI (a pratica da meditação propriamente dita) e PRAJNA (insigth).
SHILA é o processo
de simplificar a vida como um todo e eliminar complicações desnecessárias. Para
desenvolver uma disciplina mental genuína é necessário, em primeiro lugar,
compreender como nos sobrecarregamos o tempo todo de atividades e preocupações
que não são alheias. Nos países budistas, o shila pode exigir que se siga uma
regra de vida especifica, como monge ou monja, ou adotar os preceitos adequados
a um budista leigo. No contexto secular ocidental, o shila pode tornar necessário
simplesmente o cultivo de uma atitude de simplicidade em relação à própria vida
em geral.
Em segundo lugar,
vem o SAMADHI ou meditação que é o cerne do aprendizado budista derivado da experiência.
Essa pratica envolve sentar-se com a atenção voltada, de modo suave e
consciente, para a respiração.
Em seguida, a
disciplina da pratica da meditação envolve notar quando a atenção se desviou da
respiração e faze-la retornar à respiração como foco. Adota-se uma atitude de
atenção pura aos diversos fenômenos, como pensamentos, emoções, que ocorrem na
mente e no corpo durante a pratica. Pode-se considerar a pratica da meditação
como um modo de fazer amizade consigo mesmo, o que salienta o fato que ela é
uma experiência de não agressão. Na verdade, a pratica da meditação é,
portanto, um modo de experimentar o nosso ser essencial que está além dos
padrões habituais.
O shila é a base da
meditação e o samadhi é o próprio percurso da pratica. A fruição é o prajna, ou
o insigth que se começa a desenvolver por meio da meditação. Na experiência do
prajna começa-se a perceber de modo direto e concreto como a mente realmente
funciona, seus mecanismos e reflexos, momento a momento. Por tradição, o
prajna é chamado de consciência discriminante,
o que não significa discriminar no sentido de desenvolver preconceitos. O
prajna é, ao contrario, um conhecimento sem preconceitos de nosso mundo e de
nossa mente. É discriminante no sentido de discernir a confusão e as neuroses.
O prajna é um insigth imediato e não
conceitual, mas ao mesmo tempo proporciona a inspiração básica do estudo
intelectual. Quando vemos a realidade de nosso funcionamento mental surge um
desejo natural de elucidar e articular a experiência pela qual passamos. E há
uma curiosidade espontânea sobre o modo como outros já expressaram a natureza e
o funcionamento da mente. Mas, ao mesmo tempo, embora o insigth imediato leve
ao estudo é necessário manter uma disciplina permanente de treino da meditação.
Com isso, os conceitos nunca se tornam meros conceitos, e o trabalho psicológico
permanece sempre vivo, renovado e bem fundamentado.
Chogyam Trungpa Rimpoche
Nenhum comentário:
Postar um comentário