quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um Pouco Mais Sobre a Meditação



  A psicologia budista tradicional dá ênfase à importância da experiência direta no trabalho psicológico. Quando se conta somente com a teoria, perde-se algo de essencial. Do ponto de vista budista, o estudo da teoria é apenas o primeiro passo e deve ser complementado por um aprendizado da experiência direta da própria mente, em si mesmo e nos outros.

  Na tradição budista, esse aspecto experimental é desenvolvido com a pratica da meditação, que é uma observação da mente, em primeira mão. A meditação não é, no budismo, uma pratica religiosa, mas um meio de esclarecer a natureza real da mente e da experiência. Diz-se tradicionalmente que o aprendizado da meditação envolve três aspectos: SHILA (disciplina), SAMADHI (a pratica da meditação propriamente dita) e PRAJNA (insigth).

   SHILA é o processo de simplificar a vida como um todo e eliminar complicações desnecessárias. Para desenvolver uma disciplina mental genuína é necessário, em primeiro lugar, compreender como nos sobrecarregamos o tempo todo de atividades e preocupações que não são alheias. Nos países budistas, o shila pode exigir que se siga uma regra de vida especifica, como monge ou monja, ou adotar os preceitos adequados a um budista leigo. No contexto secular ocidental, o shila pode tornar necessário simplesmente o cultivo de uma atitude de simplicidade em relação à própria vida em geral.

   Em segundo lugar, vem o SAMADHI ou meditação que é o cerne do aprendizado budista derivado da experiência. Essa pratica envolve sentar-se com a atenção voltada, de modo suave e consciente, para a respiração.

   Em seguida, a disciplina da pratica da meditação envolve notar quando a atenção se desviou da respiração e faze-la retornar à respiração como foco. Adota-se uma atitude de atenção pura aos diversos fenômenos, como pensamentos, emoções, que ocorrem na mente e no corpo durante a pratica. Pode-se considerar a pratica da meditação como um modo de fazer amizade consigo mesmo, o que salienta o fato que ela é uma experiência de não agressão. Na verdade, a pratica da meditação é, portanto, um modo de experimentar o nosso ser essencial que está além dos padrões habituais.

   O shila é a base da meditação e o samadhi é o próprio percurso da pratica. A fruição é o prajna, ou o insigth que se começa a desenvolver por meio da meditação. Na experiência do prajna começa-se a perceber de modo direto e concreto como a mente realmente funciona, seus mecanismos e reflexos, momento a momento. Por tradição, o prajna  é chamado de consciência discriminante, o que não significa discriminar no sentido de desenvolver preconceitos. O prajna é, ao contrario, um conhecimento sem preconceitos de nosso mundo e de nossa mente. É discriminante no sentido de discernir a confusão e as neuroses.

   O prajna é um insigth imediato e não conceitual, mas ao mesmo tempo proporciona a inspiração básica do estudo intelectual. Quando vemos a realidade de nosso funcionamento mental surge um desejo natural de elucidar e articular a experiência pela qual passamos. E há uma curiosidade espontânea sobre o modo como outros já expressaram a natureza e o funcionamento da mente. Mas, ao mesmo tempo, embora o insigth imediato leve ao estudo é necessário manter uma disciplina permanente de treino da meditação. Com isso, os conceitos nunca se tornam meros conceitos, e o trabalho psicológico permanece sempre vivo, renovado e bem fundamentado.


   Chogyam Trungpa Rimpoche


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